Expectativa Frustrada
Quão melhor é apercebermo-nos de que as origens da
ira são insignificantes e inofensivas! O que tu vês acontecer junto dos
animais, também encontrarás nos homens: vivemos perturbados por coisas frívolas
e vãs. O vermelho excita o touro, a áspide ergue-se perante uma sombra, um pano
atiça um urso ou um leão: todos os seres da natureza ferozes e selvagens se
assustam com coisas vãs. O mesmo acontece com os espíritos inquietos e
insensatos: são vencidos pelas aparências; é por isso que consideram ofensiva
uma gratificação modesta, a causa mais frequente da ira ou, pelo menos, a mais
amarga de todas. De fato, iramo-nos com aqueles que nos são mais queridos
porque nos deram menos do que esperávamos ou menos do que os outros obtiveram;
para qualquer um dos casos, há um remédio. Ele deu mais a outro homem:
contentemo-nos com a nossa parte, sem fazermos comparações: nunca será feliz
aquele que atormenta quem é mais feliz que ele. Recebi menos do que esperava:
talvez esperasse mais do que me era devido. Este capricho é um dos mais
temíveis, pois dele nascem as iras mais perniciosas e mais capazes de atentar
contra as coisas mais sagradas.
Sêneca, in ‘Da Ira’
Ira Induzida
O
melhor remédio para a ira é fazer uma pausa. Pede-a não para perdoares, mas
para refletires: os primeiros impulsos da ira são os mais graves; ela
desaparece se tiver que esperar. Não tentes afastá-la por inteiro: conseguirás
vencê-la por completo se a arrancares por partes.
Entre os atos que nos ofendem, uns são-nos narrados, outros são vistos ou ouvidos por nós mesmos. Não devemos acreditar prontamente naqueles que nos são narrados: muitos homens mentem para enganar, outros tantos mentem porque foram enganados; outros ganham favores com incriminações e inventam uma ofensa para se mostrarem indignados; outro é um homem maldoso e quer destruir amizades sólidas; outro não merece confiança e gosta de observar ao longe e em segurança as desavenças que cria.
Entre os atos que nos ofendem, uns são-nos narrados, outros são vistos ou ouvidos por nós mesmos. Não devemos acreditar prontamente naqueles que nos são narrados: muitos homens mentem para enganar, outros tantos mentem porque foram enganados; outros ganham favores com incriminações e inventam uma ofensa para se mostrarem indignados; outro é um homem maldoso e quer destruir amizades sólidas; outro não merece confiança e gosta de observar ao longe e em segurança as desavenças que cria.
Quando tens que emitir um juízo sobre um qualquer
assunto, não poderás admitir os fatos sem que deles haja uma testemunha, e a
testemunha não tem validade se não houver um juramento; darás a palavra às duas
partes, farás um intervalo, não as ouvirás uma vez apenas (a verdade
manifesta-se àquele que mais vezes a toma em mãos): e condenas prontamente um amigo?
Ficas irado antes de o ouvir, antes de interrogares, antes de permitires-lhe
conhecer o acusador ou o crime? De fato, já terás ouvido as duas partes? Aquele
que fez a denúncia calar-se-á, se tiver que apresentar provas: «Não é
necessário expores-me», dirá ele, «Se revelares o meu nome, negarei tudo; nunca
mais te direi nada.» Ao mesmo tempo, ele instiga e furta-se à confrontação e ao
debate. Não querer falar senão em segredo é quase o mesmo que nada dizer: o que
poderá ser mais perverso do que confiar numa denúncia feita em segredo e
irar-se publicamente?
Sêneca, in ‘Da Ira’
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