quarta-feira, 19 de junho de 2013

Sigilo fiscal, o vago e ambíguo conceito

Eurico Marcos Diniz de Santi e Mariana Pimentel Fischer Pacheco
Sigilo fiscal: crônica de uma morte anunciada*
O senhor “K”, servidor público e auditor fiscal de carreira exemplar, sempre entendeu que a operação “X” não era passível de tributação pelo ICMS. A empresa “S” que realizou nos últimos cinco anos a operação “X”, apoiada por consultores sérios e bem intencionados, também sempre entendeu que a operação “X” não era tributada pelo ICMS. Contudo, em face do “sigilo fiscal”, a empresa “S” não detinha acesso à informação sobre os critérios normativos do auditor “K” na aplicação do direito para as operações “X”, realizadas também por outras empresas do mesmo ramo.
Após mudança de governo, foi nomeado novo secretário de Fazenda, cargo de confiança do novo governador comprometido em aumentar a arrecadação para o estado.Tal secretário de Fazenda dá-se conta de que, mediante pequena alteração do tradicional entendimento sobre a mesma legislação tributária, pode passar a tributar as operações “X”, obtendo com essa mudança interpretativa, o incremento de R$ 1 bilhão, suficientes para a construção de 10 mil casas populares, atendendo às promessas eleitorais do governador em reduzir o déficit habitacional no estado. Atendendo ao pedido do senhor secretário que também o nomeou, o senhor delegado regional emite mandado de procedimento fiscal para que o agente “K” audite a empresa “S” sob suspeita de que não tem pago ICMS nas operações “X”, em conformidade com a nova interpretação jurídica proposta pelo senhor secretário.
O auditor fiscal “K” tem convicção pessoal e profissional de que as operações “X” não são tributáveis pelo ICMS, contudo reconhece que a tese divergente é também plausível e que numa interpretação sistemática da legislação tributária, as operações “X” poderiam sim ser tributadas pelo ICMS. Eis o paradoxo do senhor auditor “K”: seguir suas convicções pessoais e sua coerência histórica ou atender à nova interpretação plausível sobre a mesma legislação. O auditor “K”, consultando a lei abstrata (Constituição, LC 87 e RICMS), percebe que pode fundamentar tanto a tributação como a não tributação da operação “X”. Além disso, consulta os melhores livros e manuais sobre o tema, mas dada a concretude e especificidade da operação “X”, não encontra nenhuma solução satisfatória. Que interpretação seguir? Eis o que denominamos de “mal estar” do auditor fiscal: continuar coerente com suas decisões passadas, firmadas em anos de experiência, ou aderir à nova tese proposta pela autoridade superior (também bem intencionada e alinhada com o propósito maior e de “interesse público” de conciliar a interpretação do direito à construção de 10 mil moradias populares)?
Eis o dilema do agente fiscal: a) se não lavrar o auto de infração para os últimos cinco anos, ocorrerá a decadência e poderá ficar sujeito a responsabilidade funcional por omissão de receita; b) se lavrar o auto de infração, estará indo contra sua histórica coerência interpretativa sobre a não tributação das operações “X”, alterando a legalidade prática e, de alguma forma, frustrando a expectativa normativa da empresa “S” de não ser tributada nas operações “X” [...] Leia mais
*Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores

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